A “saidinha dos presos” e a opinião da mídia
A “saidinha dos presos” sempre causa alvoroço na opinião pública leiga movida pelas programações sensacionalistas promovidas pela mídia.
O tema é complexo e envolve estudos de criminologia, sociologia, psicologia, direito internacional, direito penal, direito constitucional, execução penal, entre outros assuntos que são regularmente debatidos em fóruns e seminários de juristas pelo país e pelo mundo.
Não tem como reduzir o tema a um programa de televisão, rádio ou internet onde um apresentador com noções mínimas (ou nenhuma), em direito e nos temas acima expostos fica durante alguns minutos colocando suas opiniões pessoais inflamadas para que um público, também sem conhecimento de todos os aspectos envolvidos, fique repetindo em cada lugar que vai que “saidinha de preso tem que acabar”!
Não pretendo esgotar o assunto aqui. De forma alguma! Não tenho autoridade nem conhecimento profundo em tudo o que é necessário para dar uma opinião final definitiva. Aliás, ninguém tem. Por isso que são feitos encontros de especialistas em várias áreas para colocarem os pontos a serem debatidos e reformados, mantidos, inseridos ou eliminados do regramento jurídico, da jurisprudência e das súmulas que versam sobre o tema.
Daqui para frente chamarei as “saidinhas de presos” de “saída temporária”, que é o termo correto previsto na lei.
A saída temporária está fundamentada na LEP (Lei de Execuções Penais – Lei nº 7.210/84), e seus princípios lá estão definidos especificamente dos artigos 122 a 125.
Para facilitar o entendimento, copio a letra do dispositivo mencionado abaixo:
Artigos 122 a 125 da LEP:
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – visita à família;
II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.
Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
I – comportamento adequado;
II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.
§ 1o Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado:
I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;
II – recolhimento à residência visitada, no período noturno;
III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.
§ 2o Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.
§ 3o Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.
Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.
Como podemos analisar na letra da lei, nada é mencionado sobre o tipo de crime cometido pelo indivíduo para ser concedido o benefício. Não diz que “quem matou pai não pode sair no dia dos pais”, “quem matou filho não pode sair no dia dos pais”, etc.
Aliás, podemos observar que na lei não é especificado os dias destas saídas. Convencionou-se, então, que os principais feriados nacionais para convívio familiar seriam o critério, ou seja: Natal/Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Finados.
O sistema penitenciário brasileiro não possui estrutura para gerenciar os presos, muito menos para soltar cada um em um dia diferente para as saídas temporárias. Por isso as datas de feriados familiares. Outro motivo também é que a saída temporária é para que o preso que está próximo de ganhar a liberdade pela mudança de regime ou término da pena possa começar a se reinserir na sociedade e no convívio familiar (independente se seu crime foi cometido contra um familiar – não se olha o crime e sim os requisitos para o benefício).
A lei traz este direito (se está na lei é direito e não benefício), para quem está especificamente no regime semiaberto de cumprimento de pena, ou seja, para chegar a este regime o apenado já cumpriu diversos outros requisitos anteriormente e está no processe de reintegração à sociedade.
O direito brasileiro não prevê prisão perpétua nem pena de morte (este último com exceção em casos de guerra apenas). E por termos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e abordam este tema, nem poderemos modificar isto sem que haja uma nova Constituição e, mesmo que haja, os tratados internacionais deveriam ser respeitados pela nova Constituição o que, em tese, não alteraria o quadro atual.
Podemos ignorar os tratados internacionais e criar uma nova Constituição que prevê pena de morte e prisão perpétua? Podemos, mas sofreremos com embargos e sanções internacionais duríssimos pois assumimos o compromisso com os tratados.
Então temos que o cenário atual do Brasil é este: sem prisão perpétua e pena de morte (que é o que os apresentadores sensacionalistas pregam que deveria mudar aos sete ventos em seus programas).
Os apenados não ficarão o resto da vida presos (não temos prisão perpétua!). Eles não serão executados na prisão (não temos pena de morte!).
Então, já que serão colocados na sociedade um dia, quando está próximo disso ocorrer, começam a ter estes direitos da Lei de Execução Penal para justamente irem, aos poucos, voltando ao convívio social.
Isso é moral? É justo? É o correto? Isso é o que especialistas vivem debatendo. Agora, no entanto, isso é legal! Está na lei! Deve ser cumprido gostemos, aprovemos ou não! Assim como tudo o que está na lei.
A forma de mudar isso? É mudar a lei mas, como abordei anteriormente, prisão perpétua e pena de morte não teremos no Brasil. E sou à favor que não tenhamos mesmo. Nossa polícia sucateada com um judiciário moroso cometem erros diariamente contra pessoas que, depois de anos presas injustamente, são consideradas inocentes (estes casos a mídia não divulga pois não geram tanta audiência quanto as tragédias).
É fato: um dia todos os presos sairão para o convívio social. A pena pode aumentar pela mudança da lei, porém um dia irá acabar e o apenado irá sair. Não adianta colocar penas de 100 anos de prisão (o que seria uma analogia à prisão perpétua). Já temos penas aplicadas em crimes que ultrapassam isso. Nossa Constituição, porém, não permite que uma pessoa fique presa por mais de 30 anos e, se o novo código penal que está em proposta for aprovado, em alguns casos, 40 anos.
Os presos que saem no benefício devem manter o mesmo comportamento que possuem dentro do presídio ou no trabalho externo, caso o faça. Não podem, portanto, frequentar bares, boates, andarem armados ou praticarem qualquer delitos.
A Lei de Execução Penal foi instituída e sancionada durante o Regime Militar pelo então Presidente da República João Figueiredo, em 1984. É, portanto, uma lei anterior à nossa atual Constituição, mas que foi recepcionada pela mesma uma vez que atendeu aos anseios sociais da Carta Magna atual.
Somente os presos em regime semiaberto possuem direito à saída temporária. Então, se uma pessoa teve a saída temporária concedida, é porque já está prestes a voltar ao convívio social de alguma maneira, seja passando ao regime aberto ou terminando sua pena corporal.
O Brasil tem a maior população carcerária do mundo e uma das piores estruturas prisionais para acomodar e ressocializar os presos. Atualmente temos mais de 800 mil presos sendo que destes mais de 40% são provisórios, ou seja, não são considerados culpados ainda e podem ser absolvidos.
Como controlar a data de saída de cada um deles? É uma tarefa administrativa colossal da qual o Estado sucateado não possuiria a menor condição de executar. Como a saída temporária é para permitir ao apenado o retorno ao convívio social e familiar, definiu-se, então as datas que já mencionei como as de concessão do direito.
Milhares de presos saem nestes dias. Alguns não voltam? Alguns cometem novos crimes? Sim. Porém estes estão em nova infração e sofrerão sanções quanto ao direito no futuro. Não podemos retirar o direito de todos por uma pequena parcela que não o respeita. O Brasil possui a ressocialização como objetivo da pena (apesar de não conseguir fazer isso pela estrutura precária dos presídios, infelizmente).
A questão é que dois ou três condenados que foram expostos na mídia pelos seus crimes para gerarem os lucros aos noticiários e a pré condenação pela população antes mesmo do processo iniciar maculando assim, a decisão final do Tribunal do Júri, por exemplo, são expostos anualmente, novamente, às vésperas da concessão do direito de saída temporária para inflar os ânimos da população leiga e conduzir o país a mais uma onda de opiniões equivocadas sobre a questão.
Diariamente ocorrem no país crimes piores dos que ganham as manchetes, porém a mídia elege de tempos em tempos um para explorar à exaustão e manter seus programas no ar com grandes audiências às custas de tragédias (que é o que o ser humano gosta de ver, infelizmente).
Jamais serei à favor de crimes e criminosos. Não escrevi este artigo para aplaudir o crime e o criminoso. Não! É claro que devemos punir o criminoso na proporção de seu crime e conforme a lei prevê. Se queremos mudar algo, é através da mudança da lei. Figuras públicas se pronunciam sobre estes casos como se o judiciário fosse o culpado em permitir a saída, como se o preso estivesse driblando a justiça, etc. Não! É previsto em lei. Estão cumprindo sua pena conforme previsto em lei e estão fazendo uso de seus direitos também conforme previsto em lei.
Um país que pessoas de bem querem se sobrepor às leis é um país perigoso. Os criminosos estão onde estão justamente por não cumprirem as leis. Se as pessoas de bem fizerem o mesmo, terão (ou deveriam ter), o mesmo fim.
Hoje vivemos uma onda de “ele infringiu a lei, mas foi por um bom motivo, então ele é herói”. Este pensamento é muito perigoso! Aplaudimos quem infringe a lei para supostamente atingir um objetivo nobre. Amanhã poderemos nós sermos o alvo de infrações na lei em nome de algo maior.
Lembrem-se, o único crime que jamais poderemos dizer que não cometeremos é o tipificado no artigo 121 do código penal: “matar alguém”.
O ser humano é muito suscetível a emoções. Pode ser em um segundo de fúria, em um acidente de trânsito, em um descuido, etc. E aí você estará do lado de lá do rio e, do lado de cá, teremos os que aplaudem que as leis sejam infringidas para que você seja condenado e que seus direitos sejam retirados. Mudar a lei é uma coisa. Infringir em nome de algo é outra totalmente diferente e inaceitável.
Que o criminoso comprovadamente culpado tenha sua pena dentro da proporcionalidade prevista em lei, com certeza!
Se a pena não está mais atendendo seu objetivo, modifique-se a lei ao invés de aplicá-la de forma arbitrária acobertado pelo clamor social de senso comum a fim de legitimar o que é ilegal.
Espero que tenham entendido meu posicionamento com este artigo. Promover a reflexão por vocês, estudantes e profissionais do Direito sobre o que a lei realmente apresenta sobre a saída temporária e suas justificativas. Espero que os gritos sensacionalistas não gerem efeitos em quem opera o Direito. Os defensores do Direito são a última barreira entre o Estado todo poderoso e o indivíduo que é acusado e pré-julgado pela sociedade antes mesmo de poder dar sua versão dos fatos.
Que os criminosos comprovadamente culpados cumpram suas penas. Que as leis sejam respeitadas. Que o clamor de alguns não exaltem o ódio.
Como sempre deixarei os comentários deste artigo aberto. Então, se você quer acrescentar algum ponto ao artigo, dar sua opinião, discordar, concordar, criticar, tudo de forma educada e fundamentada, fique à vontade!
Espero que não levem este artigo como verdade absoluta. Leiam livros sobre o tema. Aqui trouxe meus conhecimentos em obras e artigos lidos junto com minhas opiniões e também minha vivência no trabalho no judiciário.
Abraços e sucesso! 🙂
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Referências bibliográficas:
Lei de Execução Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm
PRADO, Rodrigo. Autorização de Saídas na Lei de Execuções Penais. Disponível em < https://canalcienciascriminais.com.br/autorizacoes-de-saida/ >. Acesso em 11 de agosto de 2019.
FORUM, Editora. Novo código penal eleva tempo máximo na cadeia para 40 anos. Disponível em < https://www.editoraforum.com.br/noticias/novo-cadigo-penal-eleva-tempo-maximo-na-cadeia-para-40-anos/ >. Acesso em 11 de agosto de 2019.
BARBIÉRE, Luiz. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação. Disponível em < https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml >. Acesso em 11 de agosto de 2019.